Uma fronteira, dois desconhecidos, por Cátia Miriam Costa

 

O melhor agente de conhecimento inter-fronteiras ibérico tem sido o turismo. Em Portugal, em qualquer unidade hoteleira ou mesmo nos nossos lares, acedemos por cabo à TV espanhola. Em Espanha não existem canais por cabo portugueses, disponíveis para o turista, mesmo em cidades de regiões fronteiriças, como a Galiza ou a Andaluzia. Portugal é um ilustre desconhecido. Ao outro lado da fronteira só chegam aos meios de comunicação social os desastres, a crise e a insatisfação dos portugueses.
Contudo, os países ibéricos têm muito em comum. Partilham um mesmo discurso político, o da recuperação económica. Mas, os indicadores sociais apontam para uma realidade menos luminosa, ou seja, a vida de portugueses e espanhóis piorou. Os governos ibéricos tentam convencer os “mercados”, essa identidade “supranatural,” que os seus países asseguram bom retorno para os investidores. Novamente, se entra no delírio de voltar a modos de vida anteriores que levaram a que a crise estalasse. Se os governos propõem argumentos similares, a verdade é que poucas vezes articularam os seus discursos.
Assim, em vez de se coordenarem, tentam demarcar-se. Portugal reclamando que tem uma mais baixa taxa de desemprego e a Espanha argumentando que não teve uma intervenção direta da ‘troika’, apenas um resgate ao sistema bancário. Nunca foi usado nenhum fundamento comum que defendesse as economias e sociedades ibéricas das medidas impostas por uma Europa que baseia a sua ação em interesses deslocados destas realidades. As populações ibéricas têm ultrapassado fronteiras, mas os governos não promovem o inter-conhecimento.
Esta é uma tendência antiga. O desconhecimento tem sido uma opção política. Imagine-se que não existe nenhuma referência em Madrid a Isabel de Bragança, portuguesa que foi Rainha de Espanha, responsável pela fundação do Museu do Prado. Tampouco existe qualquer referência no Palácio Alcázar, em Sevilha, à importância da união as Coroas Ibéricas apesar de ali ter nascido Filipe que as uniu. Por cá, as autonomias espanholas somem-se na confusão de algo relacionado com atentados e pretensões mal-entendidas.
Incapazes de assumir um passado e de projetar uma imagem recíproca positiva, são os povos ibéricos que mais perdem. A incapacidade de coordenar sinergias e defender os seus direitos leva-nos para competições, muitas vezes, estéreis. Cabe à sociedade civil, propor o conhecimento mútuo para que fantasmas do passado não comprometam o presente e o futuro.

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