Lusomonitor – Qual a importância, em termos práticos da relação econômica e comercial de Portugal com Angola, de o ministro angolano Relações Exteriores não ter referido Portugal quando anunciou lista dos países com os quais as relações devem ser reforçadas? Pode significar a perda de mercado para outros países europeus como Espanha e França ou mesmo o Brasil?

Eugénio Costa Almeida: Na minha perspectiva houve a necessidade de mostrar, por parte do MRE George Chikoty, a vontade de diversificar as relações comerciais angolanas. Não creio que as relações comerciais com Portugal sejam postas em causa, até porque a maioria dos produtos de primeira necessidade não produzidos em Angola vão de Portugal com outros países a, também, se chegarem, mas ainda a uma certa distância.Se analisarmos bem os países que Chikoty deu como “prioritários” são aqueles que mantêm uma longa relação política e económica baseada no petróleo, excepto a Alemanha e a Espanha, dois países que vão produzir produtos industriais pesados para as forças armadas angolanas, nomeadamente, no caso alemão, que vai fabricar navios patrulhas para a marinha angolana, o que talvez venha já tarde face ao eventual e possível sequestro de um navio petroleiro nas águas territoriais – note-se que não foi na zona exclusiva económica mas a poucas milhas da capital – por piratas. No caso espanhol, não esquecer a propalada tentativa de compra de um porta-aviões e o facto de ser um país-sede para tratamentos médicos, como, diga-se, o Reino Unido.

Lusomonitor – Considera o gesto consequência direta dos desentendimentos públicos em torno dos casos judiciais angolanos em Portugal? Foi mais uma retaliação?

ELC – Talvez ainda haja resquícios – uma amizade constrói-se bloco a bloco e quando há um sismo há sempre um período de desânimo que necessita de ser minorado para que a reconstrução da amizade volte – do que se passou entre as autoridades judiciais dos dois Estados e as proverbiais e sistemáticas fugas de informação da Justiça portuguesa que ninguém consegue entender; nem mesmo os portugueses, mas mantêm-na…

Todavia parece que tem havido uma reaproximação entre as duas partes, principalmente desde que essa matéria entrou no esquecimento e os visados – nunca arguidos ou indiciados – deixarem de estar sob a alçada da PGR portuguesa.

Por isso, e pelas razões atrás evocadas não me parece que haja retaliação, mas tão-somente uma mudança de linhas políticas e económicas; diversificação!

Lusomonitor – Isto é um sinal de que, ao contrário do que foi dito recentemente pelo MNE português, as relações não estão ainda sanadas? São de esperar novas retaliações no futuro?

ELC: Não creio que sejam de esperar mais retaliações ou que as relações não estejam sanadas – talvez não totalmente, mas nos “arrufos de namorados” o que vem a seguir…  –, até porque Angola e os angolanos têm muito capital investido em Portugal e em diferentes áreas económicas; algumas das quais, bem importantes para a economia portuguesa. O que virá a seguir é uma incógnita, principalmente quando se perspectivam eventuais e possíveis mudanças nos órgãos e nas dinâmicas que detêm as relações exteriores de ambos os países. Vamos esperar para ver, como São Tomé.

*(investigador do CEI do ISCTE-IUL)

[Fonte]