Ciclo de Conferências
Religiões Africanas, em África e na Diáspora


Sociedades contra o Estado” na Senegâmbia?


Manuel Bivar Abrantes
Unicamp, Campinas, Brasil

16 abril . 18h00 . Sala AA224 . ISCTE-IUL

Na região costeira da Senegâmbia a aldeia ou a confederação de aldeias parece ter sido a maior unidade política existente até o século XX. Nestas sociedades organizadas em classes de idade as posições de autoridade existiam, mas normalmente, os procedimentos de tomada de decisão eram feitos cara a cara e procurando o consenso, e as alianças entre grupos eram concretizadas com partilha de instituições religiosas ou reforçadas por casamentos entre grupos. Apesar de toda a região costeira ter sido habitada ao longo dos últimos séculos por sociedades descentralizadas a historiografia sobre a Senegâmbia tem dedicado maior atenção ao estudo de estruturas políticas de maior dimensão como os estados do Kaabu e Futa Jalon, situados no interior. Grandes variações locais, a quase total inexistência de fontes escritas anteriores ao colonialismo, e o fato das tradições orais nestas sociedades se ficarem muitas vezes por genealogias ou relatos de migração e serem secretas e fechadas, são talvez as causas do desprezo historiográfico pelas sociedades da costa.

A formação de estados na África Ocidental tem sido ligada ao tráfico atlântico de escravos. A “tese do estado predatório” relaciona o aparecimento e manutenção de estados altamente militarizados, como o Oyo, Asante, Futa Jalon, Kaabu, e Segu, com o aumento da demanda de escravos após o desenvolvimento das plantações de açucar nas Índias Ocidentais. Os mais citados trabalhos historiográficos sobre a Senegâmbia têm apresentado o Kaabu e o Futa Jalon enquanto estados militarizados escravocratas. Contudo, a assumpção de que a maioria dos escravos que entravam no comércio atlântico proviria destes dois estados não parece ser baseada em dados empíricos. Um trabalho de Walter Hawthorne de 2010 mostra, através da compilação de dados dos escravos chegados ao Maranhão (para onde foram enviados grande parte dos escravos de Bissau e Cacheu na segunda metade do século XVIII), que a maioria dos escravos não provinham das jihads que se davam no interior, mas sim das regiões costeiras em volta dos portos de Bissau e Cacheu. Os escravos seriam obtidos pelas sociedades da costa através de razias, raptos e sentenças criminais, e vendidos directamente aos comerciantes europeus ou euro-africanos.

Os dados apresentados por Hawthorne parecem pôr em causa a tese do estado predatório e lançar a questão de como teriam as sociedades costeiras ao longo de séculos se mantido igualitárias e com estruturas políticas descentralizadas enquanto participavam ativamente no comércio atlântico de escravos.

Neste seminário, pretende-se discutir de que forma as reflexões de Pierre Clastres para a América do Sul e de James Scott para o Sudeste Asiático fazem sentido na Senegâmbia. Através de exemplos historiográficos apresentam-se uma série de crenças que permitiram simultaneamente o tráfico de pessoas e impediram de forma radical a acumulação económica por indivíduos e a privatização da terra. Com um estudo de caso recente entre jovens agricultores guineenses mostra-se como muitos destes mecanismos se mantiveram em acção até à atualidade.

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