OJE Jornal Económico
O conto de fadas
Cátia Miriam Costa, Investigadora do Centro de Estudos Internacionais, ISCTE-IUL
Comecei a ler um interessante livro, intitulado “La sirena de Alamares y otros cuentos populares portugueses”, traduzidos para o espanhol e editados por José Luis Garrosa Gude.
Quer isto dizer que existe a franca possibilidade de os portugueses terem um imaginário e anseios idênticos aos dos seus parceiros europeus e que questionem de igual forma como está a ser construída esta Europa. Com a saída da Troika esta semana e com as eleições europeias na próxima semana, pensar a construção europeia não é só um desafio, é um dever de todo o cidadão que pretenda participar.
Ao ler o texto “Comissão Europeia 2010-2014 – um registo de concretizações” (tradução minha), percebemos que os princípios fundadores desta união são referenciados. Paz, unidade e diversidade, solidariedade e uma economia de mercado com preocupações sociais são apresentadas como as características essenciais desta União Europeia, fundada numa comunidade cultural e em valores partilhados. O objetivo da Europa 2020 é enunciado: o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo. Portanto, um novo tipo de crescimento que não se revele apenas em saldos contabilísticos, mas também em qualidades pouco ou nada tangíveis que se traduzam na melhoria das condições de vida da população.
Mas este texto oficial da Comissão Europeia mais parece um conto de fadas que já não faz sonhar os europeus. Falta-lhe a beleza e a construção estética dos contos tradicionais, mas transformou-se numa expressão de boas intenções que as populações não sentem. Uma das conclusões indica esse caminho: “Talvez a nossa maior concretização tenha sido o como agimos”. Se em linguagem política isto faz sentido, podendo querer dizer que foi envolvendo mais stakholders e que se chegou a determinada solução, para o cidadão médio não traz qualquer esclarecimento. A lista de boas intenções é extensa e começa com a promessa da criação da União Bancária que fica como a intenção a concretizar.
Várias outras boas vontades são relatadas: o apoio dos estados ao crescimento; o investimento em energias renováveis; a reparação do setor financeiro e a sua reconstrução de modo fiável e saudável para a economia; o apoio ao renascimento da indústria na Europa; o investimento na capacitação digital, empreendedorismo e emprego. Poderia tornar a lista mais longa, mas a enumeração vai toda num mesmo sentido, a afirmação de uma Europa próspera e com o seu próprio modelo de desenvolvimento.
A questão que fica no ar é a seguinte: as políticas de austeridade, seguidas em Portugal e noutros países da União, não são exatamente contrárias ao que se anuncia aqui como o trabalho levado a cabo pela Comissão e o futuro da União? Existirão realidades paralelas, uma discursiva e a outra prática? Analisando este documento, parece que sim. Estamos perante um conto de fadas, em que falta a qualidade literária e sobra uma espécie de ilusão que se pretende aplicar à realidade.