Plano para a próxima crise

CÁTIA MIRIAM COSTA, INVESTIGADORA DO CENTRO DE ESTUDOS INTERNACIONAIS, ISCTE – IUL

 

Segundo este documento, o ano de 2014 começa com uma perspetiva de recuperação “mais ampla e sustentável” face “à grande recessão”. Logo, é aceite que existiu uma recessão que tendencialmente se arrastou a vários países e continentes.

A este otimismo sucede-se o reconhecimento de algumas consequências mais difíceis de controlar. Assume-se que vão passar vários anos até que os verdadeiros impactos da crise financeira e social possam ser aferidos totalmente e que o futuro continuará a ser de turbulência. Significa isto que as políticas sociais vão continuar sob pressão e que a prioridade dos Estados vai ter de se pautar pela criação de políticas “à prova de crise”. Os governos são desafiados a responder às necessidades das suas próprias sociedades, num quadro de declínio de confiança na política em geral.

O relatório fornece uma interpretação sobre as grandes questões enfrentadas pelos países neste momento. A crise financeira deu lugar a uma crise social, com reflexos de médio prazo. Para contrariar o impacto da crise, a OCDE recomenda as poupanças de curto prazo e o apoio imediato aos grupos mais vulneráveis da sociedade. A par destas políticas sugere que os governos criem planos para a próxima crise, tendo em atenção as exigências dos mercados credores. A OCDE reconhece implicitamente neste relatório que as crises financeiras vão repetir-se e que a crise social, ou melhor, as suas consequências vão perdurar. Este é um repto mais do que suficiente para congregar todos os elementos da sociedade civil em seu torno.

O relatório anual de opinião pública elaborado pelo German Marshal Fund, “Transatlantic Trends”, coloca os portugueses entre aqueles que estão mais convencidos de que é necessário um corte nos gastos públicos, a par dos norte-americanos, italianos e franceses. Países como a Holanda, Suécia, Polónia, Turquia e Grã-Bretanha encontram-se no polo oposto. Portugal foi um dos países que assinalou uma maior insatisfação com o nível de vida e em que a população reconhece a deterioração do mesmo. Acompanhado pela Espanha, Itália e Grécia nesta perceção do seu bem-estar, verifica-se que a crise teve um impacto direto na forma como os povos da Europa do sul veem os seus países.

Outros países menos atingidos pela crise, como o Chile ou o México, apresentam níveis de satisfação positivos, a par dos países nórdicos da Europa. As grandes economias em desenvolvimento mantiveram esforços no sentido de assegurar uma maior redistribuição da riqueza. O Brasil apresenta um caso de sucesso com a sua “Bolsa Família”, que se tornou num poderoso benchmarking anti-pobreza. A Índia e a África do Sul reforçaram as transferências sociais, enquanto a China reduziu as discrepâncias entre os mais pobres dos meios rural e urbano. Na Indonésia assistiu-se a uma redução da pobreza extrema, contudo, deu-se o aumento do rendimento entre os mais ricos.

Existem, pois, mercados que estão a passar uma fase de crescimento de população com capacidade de consumo. Esses não são os destinos tradicionais de investimento português, com exceção do Brasil, mas são aqueles que agora se podem tornar apetecíveis. Este relatório serve, afinal, para se pensarem estratégias governativas e de ação da sociedade civil, de modo a debelar aquilo que parece ser certo, uma nova crise. Sem mudanças efetivas no comportamento financeiro, as crises vão estar aí e é preciso estar-se preparado para estas.

 

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