E depois da votação?

Cátia Miriam Costa, Investigadora do Centro de Estudos Internacionais, ISCTE – IUL

 

A Guiné-Bissau foi, no passado domingo, a votos para eleger o próximo Presidente da República e o Parlamento. Chega a notícia de que as eleições foram as mais concorridas desde sempre e que decorreram com o máximo civismo. Estão presentes, como observadores, várias organizações internacionais, como a União Europeia (UE), a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), as Nações Unidas ou a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), ou organizações de iniciativa civil como as associações guineenses. Prevêem-se para hoje a saída dos resultados provisórios das eleições.

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Apesar das ligações históricas de Portugal a este país e de se poder considerar em termos económicos como um mercado promissor, é pouca a atenção dada pela maioria dos meios de comunicação social portugueses ao assunto. Ainda na semana passada se lançou um livro intitulado “Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau – Um roteiro”, em que os autores reconhecem existir um vazio quanto ao conhecimento sobre o percurso deste país entre os leitores portugueses. Outro aspeto importante que levantam é a “gestão da paz” num país que tem apresentado elevados índices de instabilidade política.

A par das causas internas que potenciam a volubilidade política na Guiné-Bissau, como o facto de ter nascido de um processo de guerra anti-colonial que confere um peso muito considerável às Forças Armadas e estas estarem dominadas essencialmente pela etnia mais numerosa (a balanta), acrescem questões geopolíticas e fenómenos transnacionais. Inserida na região da África Ocidental, a Guiné-Bissau, tal como os países fronteiriços, tem estado sob grande pressão externa de poderes alternativos aos tradicionais poderes estatais.

A meio caminho da Europa e da América Latina, na África Ocidental proliferam os Estados categorizados como EFFC (Estados frágeis, falhados e em colapso). Esta foi a designação encontrada pelas instituições internacionais para demonstrarem a sua deceção com o desempenho democrático e de soberania destes países. Na verdade, as expectativas internacionais eram altíssimas para estados sem uma organização burocrática abrangente e sem uma sociedade civil consciente de direitos e deveres, resultado do próprio regime e organização coloniais. O excesso de peso dos militares na vida civil é também uma consequência do resultado de processos de independência polémicos.

Entende-se, por isso, a facilidade com que poderes fora do controlo das economias formais e da legalidade internacional penetram em organizações frágeis e ainda sujeitas a uma visão patrimonial do poder (o que não é um exclusivo dos países pós-coloniais). Assim, o United Nations Office on Drugs and Crime, tal como o Grupo de Ação Financeira (GAFI) e o Grupo de Ação contra o Branqueamento de Capitais na África Ocidental, organismos da CEDEAO declararam a África Ocidental como zona de risco para atividades paralelas e nocivas aos Estados democráticos.

Com uma posição geoestratégica apetecível, sem controlo sobre todo o território nacional e com problemas sérios de exercício de soberania, com recursos naturais importantes (como o gás natural e o petróleo), os Estados desta região do globo precisam de tudo, menos do isolamento internacional.

Quanto à Guiné-Bissau, esperemos que os resultados das eleições sejam respeitados e que, caso não o sejam, a comunidade internacional saiba estar à altura desse desafio. A participação massiva dos guineenses demonstra a sua vontade de kambança, ou seja, que desta vez o barco atravesse o rio e mude de margem. Foram 775 mil eleitores, 13 candidatos e 15 partidos a apostar nesta mudança, esperando conquistar também uma estabilidade que traga investimento externo sério e não depredador dos recursos naturais existentes no país.