O significado político da última Presidência aberta
Luca Bussotti (Investigador Centro de Estudos Internacionais ISCTE-IUL, Lisboa)
Como justamente vários órgãos da comunicação social vieram ao longo da semana passada a destacar, parece que a campanha eleitoral já começou, embora apenas para o candidato da Frelimo, Filipe Nyusi, apresentado na última Presidência aberta do actual Chefe de Estado, Armando Emílio Guebuza, junto às populações de Niassa e de Cabo Delgado. O Centro de Integridade Pública, mediante um artigo de Ercino de Salena e Adriano Nuvunga, enfatizou (Newsletter de Março de 2014) os aspectos jurídicos e a disparidade entre o candidato da Frelimo e os dos outros partidos no que diz respeito à “Par Condicio” que deveria ser observada nos períodos de campanha eleitoral ou na fase imediatamente antecedente, como é esta que está a se viver em Moçambique. O próprio juíz agora reformado, João Trinidade (“O País”, 20/03/2014) interveio a este propósito, alegando um evidente atropelo dos princípios constitucionais, uma vez que o método do candidato da Frelimo utiliza as instituições do Estado por fins partidários, ainda por cima fora do período da campanha eleitoral.
O debate levantado faz sentido: garantir condições iguais aos candidatos dos vários partidos é um dos pilares da democracia, embora a sua gestão seja bastante complexa, como demonstram inúmeros casos no próprio mundo ocidental, por exemplo Berlusconi e o seu domínio mediático durante vinte anos da recente história italiana.
Entretanto, o ponto que gostaria de focar não diz respeito ao perfil jurídico da questão (que, repito, faz todo o sentido), mas sim ao seu carácter meramente político.
Nyusi saiu vencedor dum sistema de seleção interna de candidatos da Frelimo, o mais popular dos quais (de acordo com sondagens publicadas pelo semanário “Savana”) parecia ser Luísa Diogo. Podemos estar de acordo como não com as modalidades de selecção, mas este foi o resultado final de procedimentos internos à Frelimo. Nyusi conseguiu este resultado graças ao apoio incondicional dos grupos que actualmente formam a maioria dessa formação política: Antigos Combatentes, sequazes de Guebuza, a larga maioria dos membros do presente Governo.
Portanto, a ideia que foi veiculada, até com grande ênfase, junto à comunicação social, foi a de uma clara continuidade entre as políticas levadas a cabo pelo Executivo chefiado por Guebuza e as futuras, que Nyusi terá de implementar. Mais uma vez, não quero entrar, aqui, no mérito dos conteúdos, sucessos e insucessos da governação de Guebuza ao longo da última década. O elemento que emergiu da eleição de Nyusi como candidato da Frelimo é justamente este: ele irá dar continuidade às opções do seu predecessor.
Na última Presidência aberta, esta ideia foi reforçada. Nyusi não organizou um momento autónomo, próprio, para lançar a sua candidatura fora do partido Frelimo, ou seja, diante a todo o país. Não: ele aproveitou a “boleia” do Presidente Guebuza para ser apresentado junto ao povo moçambicano (na ocasião representado pelas comunidades do Niassa e Cabo Delgado), confirmando o seu profundo respeito e gratidão para o actual Chefe de Estado. Este último, nas palavras que pronunciou em defesa desta sua iniciativa, realçou que ele tem o direito de expressar livremente as suas ideias e, portanto, apresentar o seu sucessor, “recomendando-o” junto aos Moçambicanos.
Quais ilações tirar deste quadro? Pelo menos uma: que Nyusi representará (legitimamente) a plena continuidade com a anterior governação, ao passo que os outros candidatos (provavelmente) farão opções totalmente contrárias. As duas estratégias constituem posicionamentos políticos diferentes; as duas estratégias fazem parte da normal dialéctica eleitoral; mas as duas estratégias deverão ser tornadas claras diante do eleitorado moçambicano.
Nyusi, de certeza, ao enaltecer o papel do actual Governo, terá que pedir um voto em nome da continuidade. Caberá aos eleitores pronunciar-se aprovando ou reprovando os resultados obtidos ao longo da governação-Guebuza, de forma livre e consciente.
Foi este, julgo eu, o significado político principal do “acompanhamento” de Nyusi à última Presidência aberta de Guebuza.