Diário Económico
Em nome próprio, Cátia Miriam Costa
A mistura da desilusão dos povos com políticos desnorteados é um rastilho para o conflito se instalar na velha Europa.
Toda a discussão e desempenho políticos são feitos em nome próprio, apesar de se votar em partidos que, por definição, são organizações políticas colectivas. A personalização de toda a acção política não é uma tendência portuguesa. Verifica-se internacionalmente. Este foco na figura pública, na “pessoalização” de qualquer acção, associa-se directamente a uma sociedade do espectáculo que vê a realidade através dos meios de comunicação social e dos media sociais. Os cidadãos vivem o mundo real através da mediatização de acções que têm de ter personagens lá dentro. Daí à construção de narrativas com base em figuras construídas publicamente vai um pequeno passo.
Os programas políticos e a acção governativa passam a ser feitos em nome próprio, quando afinal deveriam reunir o consenso de, pelo menos, um alargado grupo de pessoas, unidos por uma questão ideológica, por uma percepção do presente e por uma ideia de futuro minimamente concertadas. Surge, então, a questão: qual o papel da liderança? Aqui reside o elemento mais interessante. A liderança passou a ser um primeiro-ministro ou um líder da oposição que fala em nome pessoal. Também os detentores do poder político no passado entram no jogo. O líder já não é um coordenador de uma equipa e aquele que estimula o espírito de colaboração. O líder passou a ser aquele para quem a equipa trabalha, num quadro de personalização do poder. Os maiores riscos desta situação são as possíveis derivas para projectos que absolutizam o individuo em detrimento das ideias em debate.
Empobrece-se o debate político e a característica pessoal predomina sobre as questões fundamentais. As ideias de presente e futuro colectivos ou de bem comum ficam submersas na facilidade do ataque pessoal. Em vez de se discutir os ensinamentos de uma crise do passado, debate-se a posição sobre o pagamento de uma dívida do tio-bisavô de um dos intervenientes no debate, mesmo sabendo que as ideologias ou raciocínios não se herdam geneticamente. Cai-se num facilitismo que pode deleitar o público de uma sociedade do espectáculo, mas não satisfaz as necessidades de uma cidadania activa.
Quando se assiste à subida acentuada da Extrema-direita na Europa, em que os líderes têm um papel historicamente reconhecido (mas não genético) de autoritarismo e desrespeito pelos valores da democracia e do respeito pelos direitos humanos, cabe-nos escolher o tipo de líder e de liderança que queremos. Os resultados das eleições municipais do passado fim-de-semana na França são um alerta. O governo actual da Ucrânia, um aviso. São consequência do depauperamento do debate político e de uma governação que não entusiasma os cidadãos europeus. O risco está aí, saberemos contorná-lo e ser menos dependentes da política-espectáculo?
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