Sobre as políticas de liberalização e a sua possível eficácia

por Luca Bussotti

 

Os constantes e graves problemas da companhia aérea nacional, a LAM, têm levantado muitas reflexões em volta de como contornar a sua ineficiência e ineficácia em fornecer os serviços pelos quais foi criada e continua a operar.

Vários artigos têm sido escritos por jornais basicamente privados, chamando a atenção relativamente ao clima de (suposto) desmando interno. A impossibilidade em liberalizar o espaço aéreo moçambicano através de companhias exclusivamente nacionais, devido às enormes dificuldades em termos de investimentos que sujeitos tão pequenos não estão em condições de levar a cabo.

Isso deixa entender que, por meio do despedimento do actual grupo dirigente e/ou aplicando rigorosas medidas de liberalização, o problema poderia ser solucionado.

Gostaria de tecer algumas considerações quanto a isso.

Primeiro: as nomeações das figuras mais significativas da LAM respondem a um critério claro e muito bem definido. O critério da fidelidade política. Isso faz todo o sentido, uma vez que a LAM é empresa pública. Entretanto, essas figuras podem “responder” ao poder político que lhes nomeou, mas mostram uma preparação inadequada relativamente aos desafios que dizem respeito à gestão de uma entidade que tem de oferecer um fundamental serviço público. Possíveis saídas dessa situação de constrangimento poderiam ser as seguintes: primeiro, a LAM – antes de o Governo liberalizar o espaço aéreo – vai ser privatizada, total ou parcialmente. Desta maneira, as nomeações serão feitas com base na competência profissional, mediante concurso público. Segundo, embora no seio de uma LAM ainda pública, quanto à composição do capital social, o Governo entende pautar pela eficácia do serviço, escolhendo entre pessoas da sua confiança, mas com requisitos profissionais bem definidos. Os dois cenários iam melhorar, provavelmente, o nível dos serviços que a LAM actualmente garante. Mas poderiam não resolver outros problemas. A LAM, nesta perspectiva, ia continuar ser monopolista e, portanto, ter o domínio do processo decisório nas tarifas e na gestão de todo o serviço oferecido.

Segundo: a hipótese da liberalização, em princípio, deveria fazer com que se criasse um clima de concorrência, a todo benefício dos clientes (neste caso, os passageiros). Entretanto, as declarações do ministro dos Transportes deixam pouca margem para que este processo possa ocorrer, pelo menos dentro deste mandato. Além disso, em diversos casos, na própria Europa ou nos Estados Unidos, processos de liberalização de serviços públicos têm provocado, sobretudo em situações com apenas dois concorrentes, acordos que têm desembocado em verdadeiros trusts, voltando a replicar a situação inicial de monopólio, sob a forma de duopólio. Mesmo nesse caso, portanto, as reservas existem.

Sem ter a pretenção de indicar soluções, possíveis saídas deveriam ser encontradas, do meu ponto de vista, em delinear uma nova moldura institucional, não apanas para a LAM, mas pela larga maioria dos serviços públicos moçambicanos.

A questão de fundo deveria ser: como é que o cidadão poderá ser melhor protegido, considerada a actual situação de monopólio na gestão de diversos serviços fundamentais?

A Constituição prevê, como um dos seus princípios básicos, a tutela do consumidor, só que esses princípios parece que foram completamente esquecidos. A partir daí, seria possível imaginar uma série de mecanismos de tutela formalizados, com as relativas penalidades.

A relação entre uma entidade monopolista (no caso a LAM) e o utente (que ainda não pode ser definido de “cliente”) é uma relação de poder. O bilhete de avião é o contrato que a regula. O problema é que não existe (ou melhor não tem poderes coercivos) um sujeito terceiro que funcione de garante, procurando tutelar o consumidor. Em suma, uma autoridade realmente independente que possa determinar os níveis desejados de qualidade dos serviços, estabelecendo metas realísticas com a LAM, mas também capaz de acolher as queixas dos passageiros, sancionando eventualmente do ponto de vista administrativo o desrespeito das regras por parte da LAM. Se, além disso, houvesse uma associação de consumidores que obrigasse a LAM – sob a égide da Autoridade – em assinar uma “Carta dos Serviços”, isso tornaria ainda mais completo o quadro institucional a garantia do utente.

Quanto dito acima pode ser utopia, mas imaginar que possa haver, a curto prazo, um processo de liberalização do espaço aéreo moçambicano parece-me ainda mais irrealístico. Na espera que isso aconteça, medidas tipo aquelas apenas mencionadas poderiam levar a LAM a garantir serviços melhores, aumentando a satisfação dos que hoje são utentes, mas qua amanhã poderiam tornar-se clientes com direito de escolha entre diferentes companhias aéreas.

*Investigador Auxiliar no Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (Lisboa)